so many teeth, too many arms and legs
And eyes and flashing buttons all around me
I'm a-watching, I'm a-breathing, I'm a-pushing, I'm a wishing
That these walls would not be talking quite so loudly"
Esse é um trecho da música "Count to ten", da cantora dinamarquesa Tina Dickow, dona de uma das vozes que mais admiro. E eu me sinto muito inspirado por essa música em particular por ela falar dessa sensação que muitos de nós temos: a de que estamos sobrecarregados. Rostos, sorrisos, dentes demais, braços e pernas demais. Olhos e botões piscantes ao meu redor. Não resta mais tempo nem espaço para a contemplação do que é natural. O homem se cerca do artificial, do virtual e fantasioso para acalentar a dor da existência.
Caí nessa armadilha. Não foi a primeira vez: aliás, tenho uma ficha bem longa nesse delito. O mundo tem como um dos seus maiores talentos nos proporcionar ilusões e distrações. O mundo e seu sistema (para fugirmos de metáforas abstracionistas: o mundo é só a marionete, mas quem segura as cordinhas é uma pessoa específica) nos vendem a idéia de que devemos nos entreter com suas telas e cartazes e produtos e fantasias, porque só assim poderemos suportar a vida. Para cada dor ele nos oferece uma pílula. Ele só não conta que a dor depois volta, e assim precisaremos de uma dose mais forte, ou uma pílula nova, até que perdemos nossa identidade para corresponder a estereótipos divulgados em comerciais de 30 segundos.
Desde meu último post fui arrastado por uma sucessão de distrações. Mal orei, nem cumpri com meu compromisso de reservar um horário para me encontrar com Deus e mal li a Bíblia. E minha justificativa (digo como o cínico que fui) era a de que estava trabalhando. Claro, o trabalho sempre foi considerado digno, então não posso ser criticado. Que mentira. O trabalho é sim, digno, mas não pode ter lugar de honra maior em minha vida do que Deus. Com essa atitude, comprometi minhas prioridades e me perdi. Espero que esse post seja a marca de que me reencontrei.
Acredito que temos de passar por vários processos de perdas e reencontros. Essa é uma característica relatada em personagens bíblicos, homens e mulheres que amavam a Deus, mas que, por causa do mundo e seu sistema (no qual incluo nossos desejos), se metiam em situações de transgressão, vergonha e dor. Por isso precisamos tanto da graça. A Bíblia relata de tantas formas que Deus sabe das nossas dificuldades, como quando diz que "somos como ovelhas no meio de lobos" (1), ou "no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo" (2), ou ainda "não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal" (3). Jesus, o Ungido de Deus, viveu aqui e sofreu como nós o ônus de ser mortal e ter um corpo falível, corruptível.
Não quero dizer com isso que me sinto justificável nas minhas quedas. O fato de ter alguém que me compreende e me perdoa só me impulsiona ainda mais a querer acertar. As terapeutas vão concordar comigo. Nada mais estimulante do que ter alguém que diz "eu sei que você falhou, mas vá em frente, você está indo bem". É assim que quero entender a graça. Não como uma condescendência com o erro, mas uma chance para o acerto. Não como um olhar de reprovação e dúvida, mas o aplauso de encorajamento, que me diz que eu vou conseguir. Que o que importa é meu esforço, minha luta contra essas milhares de paredes que me oferecem o torpor ao invés da realidade, a ilusão no lugar da verdade.
Obrigado pela chance de continuar Pai.
(1) Mateus 10:16
(2) João 16:33
(3) João 17:15