domingo, 24 de janeiro de 2010

Os botões piscantes

"There are faces, there are smiles, 
so many teeth, too many arms and legs 
And eyes and flashing buttons all around me
I'm a-watching, I'm a-breathing, I'm a-pushing, I'm a wishing

That these walls would not be talking quite so loudly"



Esse é um trecho da música "Count to ten", da cantora dinamarquesa Tina Dickow, dona de uma das vozes que mais admiro. E eu me sinto muito inspirado por essa música em particular por ela falar dessa sensação que muitos de nós temos: a de que estamos sobrecarregados. Rostos, sorrisos, dentes demais, braços e pernas demais. Olhos e botões piscantes ao meu redor. Não resta mais tempo nem espaço para a contemplação do que é natural. O homem se cerca do artificial, do virtual e fantasioso para acalentar a dor da existência.


Caí nessa armadilha. Não foi a primeira vez: aliás, tenho uma ficha bem longa nesse delito. O mundo tem como um dos seus maiores talentos nos proporcionar ilusões e distrações. O mundo e seu sistema (para fugirmos de metáforas abstracionistas: o mundo é só a marionete, mas quem segura as cordinhas é uma pessoa específica) nos vendem a idéia de que devemos nos entreter com suas telas e cartazes e produtos e fantasias, porque só assim poderemos suportar a vida. Para cada dor ele nos oferece uma pílula. Ele só não conta que a dor depois volta, e assim precisaremos de uma dose mais forte, ou uma pílula nova, até que perdemos nossa identidade para corresponder a estereótipos divulgados em comerciais de 30 segundos.


Desde meu último post fui arrastado por uma sucessão de distrações. Mal orei, nem cumpri com meu compromisso de reservar um horário para me encontrar com Deus e mal li a Bíblia. E minha justificativa (digo como o cínico que fui) era a de que estava trabalhando. Claro, o trabalho sempre foi considerado digno, então não posso ser criticado. Que mentira. O trabalho é sim, digno, mas não pode ter lugar de honra maior em minha vida do que Deus. Com essa atitude, comprometi minhas prioridades e me perdi. Espero que esse post seja a marca de que me reencontrei.


Acredito que temos de passar por vários processos de perdas e reencontros. Essa é uma característica relatada em personagens bíblicos, homens e mulheres que amavam a Deus, mas que, por causa do mundo e seu sistema (no qual incluo nossos desejos), se metiam em situações de transgressão, vergonha e dor. Por isso precisamos tanto da graça. A Bíblia relata de tantas formas que Deus sabe das nossas dificuldades, como quando diz que "somos como ovelhas no meio de lobos" (1), ou "no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo" (2), ou ainda "não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal" (3). Jesus, o Ungido de Deus, viveu aqui e sofreu como nós o ônus de ser mortal e ter um corpo falível, corruptível.


Não quero dizer com isso que me sinto justificável nas minhas quedas. O fato de ter alguém que me compreende e me perdoa só me impulsiona ainda mais a querer acertar. As terapeutas vão concordar comigo. Nada mais estimulante do que ter alguém que diz "eu sei que você falhou, mas vá em frente, você está indo bem". É assim que quero entender a graça. Não como uma condescendência com o erro, mas uma chance para o acerto. Não como um olhar de reprovação e dúvida, mas o aplauso de encorajamento, que me diz que eu vou conseguir. Que o que importa é meu esforço, minha luta contra essas milhares de paredes que me oferecem o torpor ao invés da realidade, a ilusão no lugar da verdade. 


Obrigado pela chance de continuar Pai.


(1) Mateus 10:16
(2) João 16:33
(3) João 17:15

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Chorar aos pés do Senhor

O que significa realmente dizer que quando choramos aos pés do Senhor Ele recolhe nossas lágrimas? Será que Ele leva em consideração nosso sofrimento quando somos encontrados em uma falta? Talvez Ele nos compense de alguma forma, seja nos confortando, seja agradando nossa alma com algum dos seus benefícios. Hoje pedi desculpas a Deus porque depois que chorei aos seus pés não senti alívio dos motivos que me levaram às lágrimas. A tristeza não foi embora. Mas sabia que não estava chorando só. Vale sim saber que alguém se importa com seu choro, que fica ao seu lado, recolhendo suas lágrimas, compartilhando da sua dor. Principalmente se esse alguém é o Senhor do universo, Deus Todo-Poderoso. Principalmente se esse alguém é seu amigo.

Pedi desculpas também por todas as vezes que O culpei por alguns dos meus tropeços. Todas as vezes que esbravejei, perguntando porque Ele me permitiu errar, porque eu tive de passar por essa ou aquela situação. Se eu tivesse sido sincero comigo mesmo, teria notado que Ele me deu sinais, de várias formas, para que eu me esquivasse do erro.

Agradeci, finalmente, porque Ele ficou ao meu lado nessa noite triste.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

The Man in the sky

Queria entender porque um filme às vezes pode ofender tanto. Principalmente quando, deliberada e abertamente, tenta ridicularizar nossas crenças. Quero enfatizar aqui que o filme (ou o diretor, produtor, roteirista, aqui representados por sua obra) só pode tentar ridicularizar. Quando somos crianças e algum adolescente metido a sabe-tudo ridiculariza nossa crença em Papai Noel, coelhinho da páscoa ou outras figuras folclóricas, nos sentimos ridicularizados porque, afinal de contas, eles não existem! Mas, quando alguém tenta ridicularizar algo que sabemos que é real, podemos nos tranquilizar com o pensamento de "bem, ele simplesmente não sabe". De qualquer forma, a tentativa ofende.

Assim foi minha experiência ao assistir "Invenção da mentira" (The Invention of Lying, 2009). A decepção com o filme foi tão grande que ofuscou meu momento com Deus hoje. A forma como a história se desvirtua numa sátira infame da fé judaico-cristã demonstrou uma atitude panfletária injustificável. A associação direta do personagem com Jesus Cristo foi, no mínimo, desrespeitosa. Fácil atirar tomates no que outros consideram sagrado quando não se tem nada que possa ser conspurcado. Há muitas rachaduras em nosso telhado de vidro.

O filme segue endossado por participações de um elenco que, imagino, não fosse por uma militância anti-cristã, não teria aceitado participar. Edward Norton e Philip Seymour-Hoffman aparecem em papéis minúsculos, sem representatividade. Mais uma vez: fácil encontrar vozes para o coro dos violentos.

Não, não exagero, é violência sim. Violência da linguagem, calcada por palavras e atos representados que ferem. Eu sei que nós, cristãos, também somos algozes. Historicamente temos bruxas, negros e homossexuais para nos apontar dedos acusadores. Se esse é o caminho, violência por violência, o mundo realmente acabará cego. Não compartilho do sentimento daqueles que ofendem, ridicularizam ou magoam em nome de uma crença ou da ausência dela. Não considero justificável nenhuma ação, representação ou texto que lance mão da sátira ou da caricaturização quando o assunto é uma bandeira, uma opção sexual, uma etnia, uma fé.

Por isso esse filme não tem meu respeito enquanto obra cinematográfica e todos que contribuíram para sua realização perderam a possibilidade de meu respeito enquanto pessoas.

***

Na minha concepção, Deus dá um valor altíssimo para nossa motivação. Porque oramos? Porque vamos ao templo? Porque fazemos o bem a outra pessoa?

Certa vez um amigo lançou uma pergunta intrigante numa reunião no templo: "você amaria a Deus se soubesse que iria para o inferno?". A pergunta é logicamente incoerente, claro, porque amar a Deus por si só nos inelege ao suplício eterno, mas a especulação lançou uma auto-avaliação muito pertinente. A resposta para isso, como vejo, é que o amor não tem outros propósitos, outros fins. O amor é um fim em si mesmo. E amar a Deus não pode ser sinônimo de fuga do inferno ou a busca de pão aqui ou de delícias eternas no paraíso. Ou amamos alguém por quem a pessoa é, com o que achamos de bom e o que achamos de ruim, ou não amamos e ponto.

Digo isso porque hoje me deparei com uma vaidade incômoda ao me encontrar com Deus às 22h. O pensamento do que escreveria aqui no blog me perseguia. Como os assuntos deveriam gerar um texto interessante. Vaidade, pecado traiçoeiro. Não foi sem esforço que consegui me desvencilhar da encenação para, de fato, passar um tempo com o Pai.

Não me surpreende que seja assim, porque temos essa fraqueza tipicamente humana. A exposição é tão tentadora que temos a tendência de viver experiências para impressionar os outros. As fotos não são mais para a família ou para revisitar nossas lembranças, mas para reforçar a imagem que cultivamos nas redes sociais. Não há nada de novo debaixo do sol: é a antiga hipocrisia humana, descrita quando Jesus repreende os fariseus que oravam em alta voz para serem admirados e retratada nas experiências artísticas de Andy Warhol nos idos dos anos 50 em Nova Iorque.

Queremos a admiração dos outros para nos sentirmos melhores do que sabemos que somos.

Hoje pedi ajuda a Deus, para que me livrasse da necessidade de ser admirado. Pedi que anulasse em mim a distração da vaidade, para que eu conseguisse falar com Ele sem falsidade. Mesmo porque ser dissimulado com o Senhor é burrice, porque Ele me conhece muito bem. Me lembro da sensação de ridículo quando fazia orações cheias de pompa ou de pretensa santidade. A sensação era de ver o Pai com expressão de reprovação, talvez até decepção.

Gosto de pensar que podemos decepcionar a Deus, apesar de Seu conhecimento de tudo. Gosto de entendê-lO como alguém a quem posso contar algo engraçado e divertí-lO, ou dizer algo triste e ter sua compaixão imediata. Um Deus que me acompanha no meu tempo, mesmo existindo acima do tempo. Um Deus a quem posso dizer "como vai?". Já tive orações em que Ele compartilhou comigo sua tristeza, sua dor, orações de muito choro. Por isso pergunto como Ele está, para que, se quiser, possamos chorar juntos. Porque é isso que amigos fazem, sofrem juntos, um pela dor do outro.

Já faz muito desde quando Deus compartilhou comigo sua dor. É preciso um certo nível de intimidade para chorar junto com alguém. Nesses nossos encontros ainda não tocamos em assuntos difíceis assim. Torço para que esse dia chegue logo de novo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Todo dia às 22h

Desde nosso primeiro choro um cronômetro é disparado, iniciando uma contagem regressiva. Que nada, antes ainda, essa contagem começa quando somos gerados, pessoas em estado microscópico. Para alguns, apenas alguns minutos restam até o fim. Para outros, muitos anos. Não importa, cada um de nós, algum dia, morre.

Fico pensando que no fim nos será apresentada uma espécie de extrato bancário, onde poderemos ver como foi a nossa "movimentação" de tempo. Exatamente, desde a primeira célula. Engatinhando: xis horas. Tantas outras horas copiando lições da lousa para o caderno. Tantas outras horas dormindo. Contemplando a chuva: tantas horas (no meu caso, um número considerável). E assim será o balanço final da nossa vida. Essa será a forma mais infalível de entender o que nos foi importante enquanto flutuamos atados a esse grão azul chamado Terra.

Não queria cair no lugar-comum ao falar que o tempo é precioso, mas não consigo evitar. Ele é mesmo! E hoje, quando fazia meu terceiro (ou seria o quarto?) encontro com Deus, entendi um pouco melhor essa economia invisível. Entendi que eu posso estar investindo meus preciosos minutos em coisas sem valor. E não estou falando de "lucro", já que minutos bem gastos não geram mais minutos (o que daria uma ótima propaganda de celular).

A boa aplicação dos nossos minutos pode ser avaliada pela conformidade com o propósito maior de nossa vida. Claro, é possível viver sem propósito algum (falo por outros, eu não saberia como). Mas, quando temos um propósito, um grande "porque" a responder, o tempo que gastamos para ser essa resposta diz muito sobre o quanto fomos bem-sucedidos em nossos investimentos temporais. Sou mestre em me enganar, criar uma imagem positiva de mim e fingir que sou essa pessoa realizada, feliz, um filho do Deus Todo-Poderoso. Só que cansei disso. A mentira estava me trazendo enorme prejuízo.

Prefiro encarar que nunca fui completamente honesto com Deus e comigo. Nunca dei a Ele o devido valor. Nunca fui seu amigo de verdade. Porque nunca tive o cuidado de manter com Ele um relacionamento diário. Ao me deparar com essa lacuna nas minhas mentiras tive que descobrir uma forma de redimir o conceito de devoção que, pelo menos para mim, soava tão formal e vazio de significado.

Por isso resolvi que, todos os dias, teria um encontro marcado com Deus. Simples assim. Todos os dias, às 22h, pararia tudo que estivesse fazendo, com quem quer que fosse, para me ausentar de tudo e tão-somente conversar com Deus. Ou cantar para Ele. Ou só ficar em silêncio para ouvi-lO. Sem hora para terminar. Sem formalidades ou rituais. Sem palavras bonitas, sem querer impressioná-lO ou a qualquer outra pessoa. Simplesmente investir tempo nesse relacionamento, que eu me convenço desde o começo da minha vida que é o que tenho de mais importante.

Foi na segunda caminhada (digo caminhada porque, nesses primeiros encontros, a melhor opção para uma casa cheia de gente e distrações foi caminhar pelas ruas semi-desertas do meu bairro) que senti que Ele me orientava a registrar o resultado desses encontros. Talvez minha vaidade tenha me levado a entender que eu deveria escrever sobre isso. Talvez dessa vaidade Deus faça algo bom e depois me mostre que eu não tenho nada que me orgulhar. Em primeiro lugar porque é Ele quem criou essa agenda e me chama para conversar todos os dias. Segundo porque, bem, Ele me conhece muito e sabe que eu não sou nada demais. Nada mesmo.

O importante é que esses encontros têm me feito feliz e tenho aprendido. Confesso uma tendência de pensamento que teria me tornado elegível aos inquisidores, mas Deus tem sido paciente e complacente, me revelando pouco a pouco alguns de seus mistérios. Talvez algumas das revelações sejam apenas ruído da minha mente, complementando com bobagens o que Deus diz. O importante é que estou prestando mais atenção, tentando silenciar meu cérebro tagarela. Não é fácil.

Melhor ainda tem sido dirigir meus pensamentos aos céus, tentando diligentemente me isolar de todas as outras distrações. Descobri primeiro que isso não é tão simples numa cidade repleta de televisores, celulares, aparelhos de som e gente. Que falta faz um monte às vezes. Mesmo assim, do meio de uma nuvem de luzes e sons, tenho conseguido vislumbrar o infinito silencioso e misterioso de Deus.

Se alguém ler essas palavras que escrevo, veja, o propósito não é que você me descubra ou que eu seja revelado. Acredite, não valho a pena enquanto objeto de sua curiosidade. Meu propósito aqui é registrar algumas de minhas descobertas enquanto invisto um pouco de meu tempo com o Senhor de tudo. Minhas revelações que, ainda que não sejam finais e precisas, são reflexos de uma pessoa que encontrou um propósito maior do que a vida e tenta sincera e cambaleante percorrer um caminho com nome próprio: Jesus.

Não se ofenda, você é bem-vindo, mas tenho de dizer que escrevo primeiro para mim mesmo, como que marcando as árvores por onde passei para não me perder caso tenha de voltar. Escrevo também para Deus, tentando obedecer à instrução recebida dEle, passada em uma das caminhadas de hora marcada. Se depois disso tudo você também for enriquecido com minhas experiências, que bom. Que o Senhor receba todo mérito, porque é dEle mesmo. No meu caso, só quero cada vez mais sentir essa vontade reconfortante de investir meu tempo com meu maior amigo, a quem devo toda minha devoção. Ele é o meu grande propósito, meu começo e meu fim. Obrigado pelos meus minutos mais valiosos passados contigo, Pai.